2006-08-29

CUNHAR E FUNDIR

Cunhar e fundir são dois processos de obtenção de objectos com formas ou relevos determinados.
De acordo com o Dicionário das Ciências de Lisboa, cunhar e fundir são dois processos definidos da seguinte maneira:

Cunhar – Imprimir cunho num metal, dando origem a uma moeda.
Fundir – Fazer passar ou passar um corpo, uma substância, do estado sólido ao líquido, por acção do calor. // Executar peças vazando metal derretido em moldes para que, ao solidificar, adquira determinada forma.


Para compreendermos a definição de cunhar, convém definir o que se entende denotativamente por cunho.

Cunho – Peça de ferro temperado ou de aço, gravado com inscrições e imagens, utilizada para marcar moedas, medalhas ou outros objectos. // Marca produzida por essa peça, que fica impressa em relevo.

Uma moeda cunhada é, portanto, aquela que sofre golpe ou pancada com cunha, sendo esta:

Cunha – Instrumento de ferro ou de madeira com duas faces cortadas em forma de ângulo bastante agudo, com uma aresta cortante, que serve para rachar lenha, fender pedras, cortar coisas.

Em qualquer circunstância, e em sentido denotativo, todo o objecto cunhado sofreu PRESSÃO de um CUNHO.

Na medida em que, no processo de fusão, por acção do calor, não existe pressão de nenhum cunho, um objecto fundido não é, logicamente, um objecto cunhado.

Por extensão significativa pode dizer-se que as marcas das peças fundidas caracterizam também um cunho? Por extensão significativa talvez sim, mas estaremos então no campo da conotação, não no campo da denotação. Os índios do Amazonas chamaram pássaro ao primeiro avião que viram. O avião é um pássaro? Não, um avião é um avião. Se alguém lhe chama pássaro, tem todo o direito de o fazer, mas não estará já no âmbito denotativo, que é o estritamente científico.

Conclusão:

a) Os lábios da Angelina Jolie têm um cunho especial? Sim! Os lábios são cunhados? Não!
b) A táctica do Jesualdo Ferreira tem um cunho especial? Sim! A táctica é cunhada? Não!
c) As moedas fundidas têm um cunho (especial)? Sim! As moedas fundidas são cunhadas? Não!
d) As moedas cunhadas têm um cunho? Sim! As moedas cunhadas são cunhadas? SIM!!!!

2006-08-16

A NUMERAÇÃO DAS MOEDAS DOS PRIMEIROS REIS

Numa das suas Dissertações Cronológicas (III), afirma João Pedro Ribeiro:

Póde notar-se, que principiando os papas desde o Século XI, e outros Soberanos já do X. Século, a declarar na Legenda de seus sellos o numero, que os distinguia dos seus Antecessores do mesmo nome, só o Senhor D. João II, entre nós principiou a declarar secundus.


Por sua vez, Ferraro Vaz, em texto da NVMMUS 18, Volume V-2, questiona a validade desta afirmação, lembrando que antes de João II já Afonso V ( Alfonsus Quintus) se denominava exactamente QUINTUS.

Tenho em minha posse alguns dinheiros de Sancho II e de Fernando I, com legenda numerada, que sugerem uma marcação propositada. Há outras situações, inclusive relativas a Sancho I, que são susceptíveis de análise no mesmo sentido.

Gostaria de conhecer outros textos que tratem destes assuntos e receberei com agrado comentários a este tópico.


*** Comentário nº 1 - José Matos, Alfonsvs

A ordem numérica do monarca nas moedas portuguesas verificou-se pela primeira vez, apenas com D. Afonso V (1438-1481), 12º rei de Portugal e 5º com esse nome.
A indicação numérica é ordinal e apresenta-se nas seguintes variantes: QVIN, QVINT, QVINTI e QVINTIS. Também por vezes aparece como ALFQ e ALFONQ

Quanto à possibilidade de moedas de reinados anteriores apresentarem esta numeração acho pouco provável:
D. Sancho I apresenta o seu nome como SANCIVS e por vezes a distribuição incorrecta dos espaços na gravação das legendas originou a abreviatura SANCI. Isto nos dinheiros por que nos morabitinos é sempre SANCIVS

No caso dos dinheiros e morabitinos de D. Sancho II é que se torna mais confuso, pois o nome SANCIVS aparece com frequência deturpado: SANCI, SANCII, SANCIII e SANCIIII
Até o único morabitino conhecido deste reinado apresenta SANCII.

Por fim, no caso dos dinheiros de D. Fernando I, aparece em complemento a PORTVGAL: PORTVGALI e também PORTVGALII

2006-08-04




CEITIL DE AFONSO V

Sou um amante do ceitil, unidade monetária dos tempos de Afonso V, o grande africano, a D. Sebastião, o depressivo africano.
Tenho uma bonita colecção de ceitis que tento enriquecer sempre que a oportunidade surge e a carteira comporta. No Fórum de Numismática concorri à “moeda do mês” com este belíssimo ceitil de Afonso V. Que acham?

2006-08-01

SILEPSE
De acordo com algumas definições mais ou menos usuais, a silepse é uma figura de linguagem, de estilo, ou, ainda, de sintaxe. Que seja de linguagem, compreende-se. Que seja artifício retórico, figura de estilo, exercício intencional, compreende-se. Quando se diz, em letra de canção, que

A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dentes
Tem gringo pensando que nós é indigente
Inútil, a gente somos inútil
Inútil, a gente somos inútil ( * In Alô Escola, TV Cultura, Brasil)

diz-se com a intenção de dizer, com a intenção de criar realces e não há, neste caso, erro lógico que nos valha.

Que seja figura de sintaxe, isso é que já parece muito mais problemático. Falar de regras de sintaxe significa falar de coisas relativamente simples como a verificação de que, em português, o sintagma nominal tem um núcleo (por exemplo, livro), que este núcleo pode ser determinado ( por exemplo, o livro), que este determinante comanda o género e o número ( o livro // *a livro // * os livro), mas também a pessoa verbal ( o livro é // * o livro são). Quer dizer, há uma lógica intrínseca à língua que conduz a estruturação das frases que vamos construindo no nosso dia-a-dia. O problema é que, a par de nomes contáveis como o do exemplo dado ( livro), que identifica inequivocamente um individual, há por aí outras palavras, outros nomes, que, possuindo morfologia singular, significam ou podem significar algo plural. É o caso de nomes como gente ou maioria que agem de formas diversas em contexto de verbos predicativos ou de verbos estativos. Morfologia singular, regras de sintaxe ou significado são expressões que remetem para níveis de análise diferente e daí alguma confusão: morfologia, sintaxe, semântica.
Se nos fixarmos estritamente nos aspectos lógico-gramaticais, sintácticos, é evidente que há erro em:

a) A gente somos inútil.
b) A maioria dos estudantes passaram.
c) O pessoal do Fórum são todos culpados.

O núcleo do grupo nominal, sendo “gente”, “maioria” e “pessoal”, explicitamente determinados por “A” e “O”, obriga às estruturas correctas:

A1) A gente é inútil.
A2) A maioria dos estudantes passou.
A3) O pessoal do Fórum é todo culpado.

O problema é que nem a língua é absolutamente lógica, nem o ser humano abdica de confundir os seus delicados neurónios. E assim mete o significado onde não devia, e acciona o factor semântico. A silepse é, assim, uma figura sintáctico-semântica que consiste em confundir forma e ideia: a concordância, que deveria ser formal ( como em A1)), é ideológica ( como em a)). Há silepses de género, de número ou de pessoa, e os exemplos abundam.

No sítio Ciberdúvidas surge, no entanto, um exemplo que merece alguma reflexão, dado accionar verbos que, não poucas vezes, agem especularmente. É o caso de:

d) A maioria são mulheres.

Deverá dizer-se A maioria é mulheres ou deverá entender-se que é possível formar o espelho Mulheres são a maioria?

Perguntas pequeninas, mas nem por isso menos importantes.