2006-08-01

SILEPSE
De acordo com algumas definições mais ou menos usuais, a silepse é uma figura de linguagem, de estilo, ou, ainda, de sintaxe. Que seja de linguagem, compreende-se. Que seja artifício retórico, figura de estilo, exercício intencional, compreende-se. Quando se diz, em letra de canção, que

A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dentes
Tem gringo pensando que nós é indigente
Inútil, a gente somos inútil
Inútil, a gente somos inútil ( * In Alô Escola, TV Cultura, Brasil)

diz-se com a intenção de dizer, com a intenção de criar realces e não há, neste caso, erro lógico que nos valha.

Que seja figura de sintaxe, isso é que já parece muito mais problemático. Falar de regras de sintaxe significa falar de coisas relativamente simples como a verificação de que, em português, o sintagma nominal tem um núcleo (por exemplo, livro), que este núcleo pode ser determinado ( por exemplo, o livro), que este determinante comanda o género e o número ( o livro // *a livro // * os livro), mas também a pessoa verbal ( o livro é // * o livro são). Quer dizer, há uma lógica intrínseca à língua que conduz a estruturação das frases que vamos construindo no nosso dia-a-dia. O problema é que, a par de nomes contáveis como o do exemplo dado ( livro), que identifica inequivocamente um individual, há por aí outras palavras, outros nomes, que, possuindo morfologia singular, significam ou podem significar algo plural. É o caso de nomes como gente ou maioria que agem de formas diversas em contexto de verbos predicativos ou de verbos estativos. Morfologia singular, regras de sintaxe ou significado são expressões que remetem para níveis de análise diferente e daí alguma confusão: morfologia, sintaxe, semântica.
Se nos fixarmos estritamente nos aspectos lógico-gramaticais, sintácticos, é evidente que há erro em:

a) A gente somos inútil.
b) A maioria dos estudantes passaram.
c) O pessoal do Fórum são todos culpados.

O núcleo do grupo nominal, sendo “gente”, “maioria” e “pessoal”, explicitamente determinados por “A” e “O”, obriga às estruturas correctas:

A1) A gente é inútil.
A2) A maioria dos estudantes passou.
A3) O pessoal do Fórum é todo culpado.

O problema é que nem a língua é absolutamente lógica, nem o ser humano abdica de confundir os seus delicados neurónios. E assim mete o significado onde não devia, e acciona o factor semântico. A silepse é, assim, uma figura sintáctico-semântica que consiste em confundir forma e ideia: a concordância, que deveria ser formal ( como em A1)), é ideológica ( como em a)). Há silepses de género, de número ou de pessoa, e os exemplos abundam.

No sítio Ciberdúvidas surge, no entanto, um exemplo que merece alguma reflexão, dado accionar verbos que, não poucas vezes, agem especularmente. É o caso de:

d) A maioria são mulheres.

Deverá dizer-se A maioria é mulheres ou deverá entender-se que é possível formar o espelho Mulheres são a maioria?

Perguntas pequeninas, mas nem por isso menos importantes.