2006-07-30


BOM-JESUS, PENHA...
Ontem fui até à Penha, em Guimarães. Gosto de andar naquelas calçadas, nos carreiros estreitos por entre os rochedos. Há por lá umas tasquitas muito agradáveis, todo o ambiente é acolhedor e nota-se que todo o recinto, parque vegetal incluído, está muito bem tratado. Penso no Bom-Jesus de Braga, na Falperra e no Sameiro, com condições naturais extraordinárias, e faço a comparação. O Bom-Jesus está uma vergonha, a entrada e as calçadas muito mal tratadas. O parque, o arvoredo, muito mal cuidado. Não há a preocupação de limpar, não há a preocupação de bem receber. O parque que enquadra o Sameiro está, também ele, mal cuidado. Podiam limpar as matas, criar carreiros, sombras debaixo das árvores, mesas e bancos para as pessoas se sentirem bem. O que faz a confraria? Isola tudo, proíbe estacionamentos, parece querer enxotar as pessoas como quem enxota os cães. E a Falperra? Aquilo não podia estar muito mais bem aproveitado, mais acolhedor? Somos uns tristes, gastamos fortunas com estádios de futebol que servem meia dúzia e estamo-nos nas tintas para tudo o que nos dá qualidade de vida. Seremos atrasados mentais?

Fotografia Dias dos Reis

2006-07-27

O PERIGO DA LEITURA EXCESSIVA
Às vezes lemos, e não acreditamos. Grandes pensadores afirmam exactamente aquilo que nunca afirmaríamos, e fazem-no com tal convicção que nos sentimos quase derrotados face à argumentação utilizada. Arthur Schopenhauer, grande filósofo prussiano, a propósito da leitura, diz o seguinte ( texto adaptado):

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho, acaba por perder a sua elasticidade, também o espírito perde a sua devido à imposição contínua de pensamentos alheios. E, do mesmo modo como uma alimentação excessiva causa indigestão e, consequentemente, prejudica o corpo inteiro, pode-se também sobrecarregar e sufocar o espírito com uma alimentação mental excessiva.

O meu problema é exactamente este, nunca senti nenhuma indigestão, não consigo identificar o momento a partir do qual a minha leitura é excessiva. Quanto mais leio, mais me apetece ler, embora tenha a consciência de que preciso de filtrar o excesso de informação que caracteriza a contemporaneidade. Eduardo Prado Coelho diz que não lê textos internéticos, blogues ou similares por receio de afundamento. Fará bem? Este texto de Schopenhauer faz-nos pensar…

2006-07-25


TEOREMA DE FERMAT
Percebo pouco de Matemática. Aliás, percebo pouco de tudo, o que já não é mau, tendo em conta a minha suma ignorância.
Li há tempos um teorema que afirmava o seguinte : não existe nenhum conjunto de inteiros positivos x, y, z e n com n maior que 2 que satisfaça xn + yn =zn ( com n elevado = potência). A propósito deste teorema afirmou Pierre de Fermat que j'ai découvert une preuve tout à fait remarquable, mais la marge est trop petite pour l'écrire. Parece que, mais recentemente, Andrew Wiles o demonstrou totalmente. O interessante destes exercícios matemáticos é que não têm, pelos vistos, qualquer aplicação visível, são meros exercícios intelectuais. No Japão, um “cientista” parece ter-se dedicado a estudar a elasticidade das minhocas. Quem sabe um dia não descobre maneira de mergulharmos, qual diligente lumbrícida, docemente até ao centro da Terra? Entre os anéis de uma minhoca e as nervuras de um poema, o que é inquestionavelmente importante para mim? Sinceramente, delicio-me com o poema, mas olho respeitosamente a minhoca.
'TÊM HAVIDO' MUITOS ERROS
Anselmo Borges, padre e professor de filosofia, escreveu no Diário de Notícias do dia 23 de Julho de 2006 o artigo "‘Têm havido’ muitos erros", inscrito posteriormente no sítio Ciberdúvidas. Aborrece-se o autor, com toda a razão, quando vê a língua portuguesa maltratada por estudantes, jornalistas, professores e, pasme-se, até ministros! Eu, sinceramente, já passei a fase do aborrecimento, estou agora na fase da compreensão dos fenómenos, que, não poucas vezes, são do âmbito da psicologia. O verbo haver é um verbo muito complexo em português, complexidade resultante das suas múltiplas possibilidades significativas. Analisemos algumas:
a) Como auxiliar, pode assumir forma plural: Havíamos prometido ir ao jantar, mas não fomos. Com este valor significativo, soa um pouco a arcaísmo, e é geralmente substituído pelo verbo ter.
b) Com valor modal, na estrutura Haver de + Infinitivo, pode significar dever, possibilidade, obrigatoriedade, probabilidade, entre outros possíveis valores significativos. Também neste caso assume forma plural: Havemos de ir a tua casa provar o bacalhau à narcisa.
c) Como verbo pleno com o significado aproximado de achar, ou considerar, assume ainda forma plural: Os juízes haviam-no por muito inteligente.
d) Finalmente, como verbo pleno, impessoal e sempre no singular, haver significa existir ( Há moças muito bonitas!), acontecer ou ter lugar ( Houve um maremoto na Indonésia.) e passar-se (tempo) ( O jogo começou há cinco minutos.).
Como se pode ver, há razões psicológicas ( fenómenos de analogia, por exemplo) que explicam o uso “errado” deste verbo impessoal em formas plurais.
Há pelo menos duas circunstâncias a relevar quando procedemos a análises sintácticas de frases que contenham este verbo impessoal, ambas do âmbito argumental, externo ou interno. No que respeita ao primeiro argumento interno, todos (quase todos?) os dicionários etiquetam este verbo como sendo transitivo. Na frase Houve um maremoto na Indonésia., o grupo nominal um maremoto, funcionando como primeiro argumento interno, corresponderá ao objecto directo. Mas, sê-lo-á? Façamos dois testes, um com clítico outro com uma estrutura passiva:
e) Houve um maremoto na Indonésia. // ?Houve-o na Indonésia. // *Um maremoto foi havido na Indonésia.
A ser verbo transitivo, é-o de uma transitividade muito particular, a merecer estudo.
A segunda circunstância é relativa ao argumento externo, àquilo que o padre Anselmo Borges antevê, quando escreve Seria preciso perguntar-lhes qual é o sujeito do verbo. Ora, se é verdade o entendimento actual que assume a existência do princípio universal todas as línguas têm sujeito, não é menos verdade a “evidência” de que há fenómenos característicos de línguas particulares que parecem contrariar este princípio (por exemplo, o parâmetro do sujeito nulo - que acciona ou não - ou casos de verbos meteorológicos na língua portuguesa).
Que significa dizer “verbo impessoal”? Que não tem pessoa. Se não tem pessoa, não tem sujeito. Claro que deveríamos definir o que entendemos por sujeito, e essa definição seria muito complexa. Poderíamos dar uma definição psicológica, à maneira tradicional, ou poderíamos dar uma definição por constituência, à maneira generativa. Teríamos dificuldades, de um lado ou de outro. É verdade que em francês, por exemplo, o sujeito é obrigatório: Il y a. Mas em português, para além de não ser obrigatório, ele puramente não existe! Ajuda-nos supor a sua existência, como o faz o padre Anselmo Borges? Se ajuda, porque não supô-lo? [Ele] há moças muito bonitas? Se [ele] há… há. [Ele] há cada coisa...

2006-07-24


VELHO COMO A SÉ DE BRAGA
Segundo rezam as crónicas, a sé de Braga é a catedral mais antiga do país. Daí a expressão, a estrutura comparativa, conhecida de todos, velho como a sé de Braga. A verdade é que esta catedral, sendo realmente velhinha, está muito bem tratada. Aliás, todos os monumentos religiosos da cidade dos arcebispos estão, em geral, muito bem tratados, o que nos obriga a bater palmas à estrutura eclesiástica da cidade, sempre pronta a preservar estes belíssimos monumentos. Se conheço bem as cidades portuguesas, o centro da urbe bracarense é dos mais bonitos e ricos do nosso país. Os nossos antepassados cuidaram sem dúvida disto. Quando saio do centro, no entanto, aterro numa realidade bem diferente. Interesses de diversa índole destruíram, por exemplo, o vale de Lamaçães, pejado de tijolo e sem vislumbres minimamente florais. Procuro em Lamaçães um jardim, um parque, uma flor… Nem vê-los, quanto mais tê-los! Uma tristeza!
POEMA MEU VI

Pedi-te uma palavra,
Directa assim nos olhos.

Nada sentiste ou fixaste o longe.

Um beijo naufragava.

Há sempre brisa no cabelo,
Na pele aromas a lembrar
Da véspera o segredo.

Eu quis apenas a palavra.

Saíste altiva contra o vento,
A lágrima era o mar.

Copyright, José Silva

UMBERTO ECO
Quando li O nome da Rosa e O pêndulo de Foucault, já conhecia Umberto Eco. Já tinha lido a Obra Aberta e o fenomenal Tratado Geral de Semiótica. Numa linha textual mais interpretativa, li mais tarde Lector in fabula e Os limites da interpretação, entre ensaios e outros textos mais curtos. Umberto Eco foi e é, para mim, uma referência no âmbito da estética. Leio-o sempre com muito prazer. Nunca imaginei vê-lo romancista, mas O nome da rosa é um achado de grande erudição. A referência indirecta, por uma personagem, ao também grande Jorge Luís Borges, é genial. Claro que vou continuar a lê-lo.

2006-07-23

LEÃO HEBREU, PETRARCA...

Estou a reler os Diálogos de Amor, do Leão Hebreu. É certo que foram escritos em italiano, mas não é Hebreu um judeu português? E tão desconhecido, meu Deus... Os Diálogos de Amor são uma obra espantosa e não duvido que tenha servido ao nosso ilustre Camões. Fílon e Sofia, amor e desejo, fogo que arde sem se ver, ou, como diria Petrarca:

S' amor non è, che dunque è quel ch' io sento?
Ma s'egli è amor, per Dio, che cosa e quale?
Se buona, ond è effetto aspro mortale?
Se ria, ond' è si dolce ogni tormento?

Leiam o Hebreu, se fazem o favor!
POEMA MEU V
(Senta-te aqui a meu lado)

Disseste-me de olhos quase em mágoa
Que não querias percorrer o meu caminho.
Compreendi-te e respondi que sim.

Olhei o vento da memória,
A secura dos dias sem tempo,
O calor das noites em vidraça,
A tristeza da profunda alegria,
O contentamento das lágrimas das aves.

No deserto preenchido da memória,
Vi-me trespassado pelos cactos…

Oh quem me dera voar no acolchoado das horas,
Em direcção aos meus avós,
Ao símbolo perfeito da perfeição do tempo,
Sem me sangrar o viço da derrota.

Compreendi-te, porque eu próprio,
Não quero repisar este caminho.

Quero planar na leveza do condor
E ver ao longe sempre um horizonte
De linhas imperfeitas.
Não creio na rectidão das rectas
Nem na beleza do Sol que incendeia
A seara loira do meu coração.
Tudo isso é incompleto,
Porque incompleta é a vida.
A vida é linha recta imperfeita,
E perfeito é o passado dos avós
E o futuro para além do meu futuro.

Por isso tens razão: não queiras, simplesmente,
Repetir o nulo dos meus passos.

Senta-te aqui a meu lado
E em uníssono respiremos as estrelas.

Copyright, José Silva

2006-07-22

FEIRAS DE NUMISMÁTICA DE PORTUGAL

Alguns amigos pediram-me para fixar neste blog informação sobre as feiras de numismática que se realizam em Portugal. Agradeço informações para manter esta lista actualizada. Vénia a Fórum de Numismática.

Abrantes � Praça Barão de Batalha � 1º Sábado � 8,30 h - 13 h.
Águeda � Praça do Município - 2º Domingo (Horário?)
Alcobaça - 3º Domingo
Albufeira � Junto à Estação da Rodoviária � 3º Sábado (9 em diante)
Almancil � Junto à Escola C+S � 2º e 5º domingo (Horário?)
Armação de Pêra � Junto ao Casino Antigo � 2º Sábado (Horário?)
Aveiro � Rossio �Mercado do Peixe - 4º Domingo (Horário?)
Azeitão. Domingos (?)
Barcelos - Largo da Porta Nova (centro da cidade) -2º Sábado-09:00-16h
Barcelos - Feira de Colecionismo e antiguidades. Campo da Feira - a 150m do posto da PSP - 4º Domingo - manhã.
Batalha � Frente ao Mosteiro � 2º Domingo (Horário?)
Beja � Núcl. de Colecc. dos Emp. do Hospital �Junto à Pr. da República � 4º sábado (Horário?)
Braga � Claustros da Rua do Castelo - 1º domingo do mês � 9-13 h
Caldas da Rainha � Parque D. Carlos I � 2º Domingo (Horário?)
Cartaxo - Junto ao Mercado Municipal - 2º domingo - (Horário?)
Castelo Branco �Escola Superior de Educação � 3º Domingo (horário?)
Coimbra � Praça do Comércio - 4º sábado do mês - Todo o dia
Entroncamento � Junto ao Pingo Doce � 1º domingo do mês (Horário?)
Ermesinde � Parque Urbano � 1º Domingo do mês �( Horário?)
Espinho � Avenida 24, junto ao hospital - 1º Domingo - Todo o dia
Estremoz - Todos os sábados
Évora � Largo Chão das Covas - 2º Domingo (Horário?)
Ferragudo � Baixa de Ferragudo � 2º Domingo (Horário?)
Figueira da Foz – Centro Comercial - 1º Sábado (Horário?)
Funchal � Direcção Regional Juventude �1º Sábado � 10-17 horas � R. 31 Janeiro, 79.
Fundão � Praça velha - Último Sábado (Horário?)
Fuzeta � Junto ao Parque da Campismo � 1º Domingo (Horário?)
Gouveia - Praça S. Pedro - 5º domingo do mês -Todo o dia - Em dias de chuva: entrada da Câmara Municipal.
Guimarães �Praça de S.Tiago-Praça da Oliveira - 1º sábado - Manhã
Ílhavo � 2º Sábado � (Onde?) (Horário?)
Lagos � (Onde?) Último sábado � 14 horas
Leiria � Praça Rodrigues Lobo - 2º Sábado (Horário?)
Lisboa � Cais do Sodré � Domingo de manhã (9 h - 13 h).
Lisboa � Feira da Ladra (Onde?) (Horário?)
Lisboa � Museu do Banco de Portugal - 3ª e 5ª na Av. Almirante Reis, 71 (Horário?)
Lisboa - Museu Numismático Português - Edifício da Casa da Moeda (Horário?)
Lisboa - Olivais Shopping Center, Espaço Lisboa, piso 2. � 1º Domingo - 10h às 19h
Lourosa - 4º Domingo de cada mês - Todo o dia
Mafra - Claustros - Sul do Palácio Nacional � 3º Sábado (Horário?)
Macieira de Cambra - centro - 5º Domingo - Todo o dia.
Maia � Castelo da Maia, junto ao ISMAI - 2º Domingo (Horário?)
Marinha Grande � Frente à Câmara Municipal � 4º Sábado (Horário?)
Matosinhos � Parque Basílio Teles - 4º Domingo (Horário?)
Monte Gordo � Calçada da praia � 4º Sábado (Horário?)
Óbidos � Parque de estacionamento � 1º Domingo (Horário?)
Olhão � Mercado de Quelfes � 4º Domingo (Horário?)
Ovar � Mercado Municipal - 3º Domingo - Todo o dia
Pinhal Novo � Av. Alexandre Herculano - Todos os domingos de manhã
Ponte de Lima � Avenida dos Plátanos � 2º domingo � 9-17 h
Portimão � Parque das Feiras e Exposições - 1º domingo
Porto � Praça D. João I � Todos os domingos (horário?)
Porto - Hotel Tuela � R.Gonçalo Sampaio, à Boavista � 1º Sábado -10-12,30 h; 14-18 h.
Porto - Feira da Vandoma - Todos os sábados no pátio da cadeia da relação - só de manhã
Porto - Feira ACP - Todos os domingos na associação católica portuense - só de manhã
Póvoa de Varzim � Praça do Almada - 2º Domingo � 9-17 h
Santo Tirso � Praça 25 de Abril (Câmara) - 2º Sábado (horário?)
S.Brás de Alportel � Pavilhão Polidesportivo � 3º Domingo (horário?)
S. João de Ver (Airas) - 2º Domingo de cada mês - Todo o dia
Sesimbra- 3º sábado � (Onde?Horário?)
Setúbal � 1º e 3º sábados do mês - Av. Luísa Todi - Todo o dia
Tavira - 1º Sábado de cada mês, junto ao mercado (Praça Nova).
Tomar - 2º Domingo
Torres Novas � Mercado Velho ou Praça 5 de Outubro � Último domingo (Horário?)
Torres Vedras � 3º Sábado (Onde? Horário?)
Vale de Cambra � 1º Domingo (Onde?Horário?)
Viana do Castelo � Jardim D. Fernando - 1º Sábado (Onde? Horário?)
Vila do Conde � Junto ao mercado - 3º Domingo (Horário?)
Vila Nova de Cerveira - Junto ao tribunal - 2º Domingo - Todo o dia
Vila Nova de Famalicão � Câmara � 4º domingo (Horário?)
Vila Nova de Gaia � Junta de Freguesia de Oliveira do Douro � 1º Sábado (Horário?)
Vila Real de Santo António � Praça Marquês de Pombal � 2º Sábado (Horário?)
Vila Verde - Centro - 3º domingo � 9-17 h
Viseu � Mercado 2 de Maio � Rua Formosa - 3º sábado do mês (Horário?)

2006-07-21


SANTA IGNORÂNCIA...
Segundo uma “grande” revista portuguesa, Victoria Beckham mandou tatuar, em hebraico, as seguintes frases: Eu sou o meu amado. O meu amado é meu. E opina, a grande jornalista, mais ou menos assim: Victoria é uma presunçosa, uma enfatuada, e só assim se compreendem aquelas frases, ou aquele "sacrifício". Que vontade de sorrir… Se a primeira frase fosse exactamente aquela, até teria grande sentido, lembrava o “Transforma-se o amador na coisa amada”, do grande Leão Hebreu ou de Camões, na linha neoplatónica da época. Mas a frase é ligeiramente diferente, e é retirada do Cântico dos Cânticos, belíssimo poema litúrgico atribuído a Salomão: Eu sou do meu amado. [O meu amado é meu]. Assim se simboliza na tradição judaica a síntese das almas concretizada no casamento. O gesto de Victória é um gesto lindo. A interpretação da jornalista é uma barbaridade. Santa ignorância…

2006-07-20


POEMA MEU IV
(metáfora vazia)

Ontem sonhei que estava numa estrada,
Sem nada, sem ninguém, apenas bruma.
No fundo, no além, além do nada,
Meu sonho transmutava-se em espuma.

Tombavam em metáfora inventada,
As tuas mãos, a tua face, à uma,
Nem um esgar na noite inominada,
Silêncio no sorriso de ti suma.

Os sonhos são metáforas vazias
De tudo o que sonhamos bem despertos,
No caminho, no campo, na gadanha.

O fundo da verdade é quando ias,
Ao lado, não da bruma, olhos abertos,
Vencendo, forte, a íngreme montanha.

Copyright José Silva

QUE DE SEGURANÇA…
A estrutura que de é usual na sintaxe portuguesa. Em geral, a preposição de joga, ou dentro de locuções de tipo adverbial, ou com locuções conjuncionais de diversa tipologia:

Um livro que de algum modo…
Sempre escolhemos o que de melhor existe…
Se bem que de início até sejamos…
Uma verdade que de tão verdadeira é…
Ainda que de limitada dimensão…

Aqui há tempos, passava na televisão um anúncio com um pseudo-poema, que começava assim: “ E tu Maria, que dás calor à minha existência…”. Lembram-se? E terminava com a já célebre expressão: “Que de segurança, que de segurança!”. Nunca mais li ou ouvi esta estrutura quantificadora, até ontem. No jornal “Público”, diz Joaquim Fidalgo, entusiasmado: “A selecção portuguesa ficou em quarto lugar no Mundial de futebol, e que alegria ela nos deu, que de festa, que de bandeiras, que de recepções!”. Acho interessante, muito interessante mesmo, esta forma de enfatizar um facto, de o quantificar, tem sabor bem popular. Dirão alguns que é uma estrutura arcaica. Não sei, não. Só sei que gosto dela. Vou fazer como o Joaquim: vou usá-la mais!

2006-07-17

HABERMAS, GRICE e os outros...
Leio Jürgen Habermas e penso em Paul Grice, nas implicaturas, nas máximas conversacionais. No meio de tanta alusão, de tanta ironia, de tantos subentendidos que fundam a linguagem, por que razão relevar a máxima da sinceridade? Porquê esta necessidade de lembrar sê sincero, como se partíssemos do princípio de que nunca ou raramente o somos? Porque passamos a vida a ler nos outros as entrelinhas, o entredito, o interdito, para além daquilo que é simplesmente dito? Porque não cremos decididamente no outro? Dizia-me há dias a Ritinha: sou cartesiana por necessidade real, a minha dúvida é metódica desde que conheço o Ricardo. Ela lá sabe. Acho que tem de ler os nossos filósofos, a ver o que lhe piscam ao ouvido.
FALAR VERDADE A MENTIR
Falar verdade a mentir é uma peça, uma comédia, do nosso Almeida Garrett, que, entre outras coisas interessantes ( Da Educação, Viagens na Minha Terra, Flores sem Fruto, etc.), parece ter-se dedicado a umas coisitas bem menores (embora não falta quem diga que são bem maiores). Nesta peça, há um mentiroso inveterado, situações cruzadas, pretensos casamentos e, até, generais que se dedicam a amenizar as águas. Na peça, como na vida, há quem minta por sistema e, de tanto mentir, se entranhe de verdadeira verdade. Eu olho para o nosso inebriante Sócrates e sei que mente, mas também sei que fala verdade, a sua verdade. Nesta comédia ( ou tragédia?) que é a vida nacional, deixamos que mintam ou que falem verdade? Se, como na peça de Garrett, verdade e mentira se confundem…
TADINHO DO ZEQUINHA...
Margarida Rebelo Pinto é um fenómeno. Quer dizer, a mim nada me diz, aprendo zero com ela, mas reconheço-lhe a capacidade de estar no sítio certo no segundo certo. Uma jovem pergunta-lhe, na sua página internética, por quer razão determinada personagem esteve dois dias no sítio X, se chegou no sábado à noite e saiu no domingo de manhã. Mas que importam estas “quiriquices” num romance? Que importa se o escritor quer construir realmente uma obra de arte, ou se quer ganhar o seu com estruturas de pincel? Se o público gosta, vamos nessa, Vanessa! Mas se o Zequinha nos disser que dois dias são meia dúzia de somíticas horas, não o culpem, por favor, ?
GOSTO MUITO DE CÃES, MAS...
Leio no “Público” que uma cidadã inglesa se arrisca a uma condenação pelo simples facto de se ter enganado ao distribuir o seu lixo pelos contentores existentes. Parece que no contentor do papel despejou uma garrafa, ou qualquer coisa do género. Eu acho definitivamente bem! Acho bem que as pessoas assumam as suas responsabilidades, seja no que respeita à sua cama, à sua cozinha, ao jardim em frente, aos rios ou aos mares. Acho definitivamente bem que se obrigue o vizinho do lado a limpar o cocó do seu cãozinho, despejado diariamente no lindo mas infecto jardim que fica em frente. Eu gosto muito de cães. Mas nunca percebi por que razão podem defecar no colo macio da graminha ou no odor agradabilíssimo das rosas, e eu não.

2006-07-15

POEMA MEU III

Há dias em que a íris do silêncio
Sorri até ao voo das gaivotas,
Melodiosa, azul, plena de murmúrios,
Em direcção a ti.
Eu sinto-a nas entranhas dos rochedos,
Nos mergulhos de espuma, nas ondas furiosas,
Na brisa violenta dos olhares,
Na seiva delirante das acácias...

Há dias em que a íris do silêncio,
Do teu silêncio falado,
Se mancha de vermelho e se arremessa
De encontro ao meu coração.

Quisera transformar os dias do voo das gaivotas
Em perenes, cristais palpitações,
E concluir assim que tu em mim
Do silêncio a íris me darias
Transportada no algodão do vento,
Para todo o sempre.

Copyright José Silva

2006-07-14

MELANCIA AMARELA
Ontem comprei uma melancia, tinha bom aspecto exterior, era igualzinha a tantas outras. Quando cheguei a casa, cheiinho de sede e mortinho por uma fatia suculenta, abri-a. Ao princípio, pensei que estava podre, de vermelho nem pinta, era completamente amarela. Aos poucos, apercebi-me de que a melancia era mesmo assim. Provei-a. Não gostei. Mas fiquei curioso, pois para mim melancia amarela é mui grande novidade. Tentei saber mais um pouco sobre este fenómeno, e afinal não é fenómeno nenhum. Eu é que, pelos vistos, sou um ignorante da coisa. Na ligação melancia amarela pode-se saber mais.
A CULPA É DOS CRITÉRIOS
Há uma frase sagrada que os alunos dizem aos professores, quando estes elaboram as suas provas de avaliação:
- Professor, faça uma prova fácil!...
Os alunos não sabem que uma prova bem elaborada exige determinados requisitos, e que deve accionar nos jovens determinadas actividades cognitivas conducentes à expressão de produtos. A actividade de reprodução de conhecimentos é a mais básica, pois acciona fundamentalmente a memória. As actividades de mobilização de conhecimentos, de conceptualização, ou, finalmente, de resolução de problemas, são mais amplas e permitem ver, pelos produtos efectivamente apresentados pelos alunos, qual o seu nível de desenvolvimento intelectual e emocional.
O professor, portanto, obedecendo a estas exigências de boa estruturação de uma prova, fá-la, e geralmente pensa que a prova assim feita é efectivamente fácil.
No que respeita às provas de língua portuguesa, os critérios de avaliação contemplam, como não pode deixar de ser, o conteúdo e a expressão. O maior ou menor rigor desses critérios comanda, em grande parte, os resultados finais.
Acabo de saber os resultados do nono ano. Comparativamente, são 20% piores do que os resultados do ano passado. Os alunos tornaram-se, assim tão de repente, mais analfabetos? Claro que não! O problema está, evidentemente, nos critérios de correcção. Estabelecer critérios equilibrados e uniformes durante vários anos não é fácil e exige concertação entre as equipas que realizam as provas. Se assim não for, comparar resultados em anos diferentes pode significar absolutamente nada.
Farto-me de dizer aos meus alunos que me pedem uma prova fácil: Atenção, o fácil é sempre muito difícil! Alguns acreditam, e concentram-se. Outros não, e sofrem algumas desilusões. É a vida…

2006-07-12



Sobre o IRS a atletas de alta competição

O meu amigo Paulo Santos Silva, a propósito do texto anterior, escreveu no Fórum de Numismática (agradeço a deferência):

Creio que se está a tomar a parte pelo todo e a fazer um juízo errado acerca da disposição visada do Código do IRS.

Tal como o Sr. Madaíl, a maioria das pessoas não leu até ao fim o nº 5 do Artigo 13º do Código do IRS, que estabelece que podem ficar isentos de imposto os prémios atribuídos aos praticantes de alta competição, bem como aos respectivos treinadores, nos termos do Decreto-Lei nº 125/95, de 31 de Maio, e da Portaria nº 953/95, de 4 de Agosto.

Estes últimos diplomas são essenciais para que se perceba o efeito prático da disposição.

O Decreto-Lei nº 125/95 estabelece medidas de apoio à alta competição, definindo o estatuto do atleta de alta competição e conferindo-lhe certos benefícios, entre os quais a possibilidade de obtenção de uma bolsa ou apoio financeiro. De notar que, nos termos do Artº 5º deste diploma, não podem beneficiar dessa bolsa os atletas profissionais.

A Portaria nº 953/95 (entretanto revogada e substituída pela Portaria nº 211/98 ) visa fixar o valor dos prémios a atribuir aos praticantes desportivos das disciplinas das modalidades integradas no programa olímpico que se classificarem num dos três primeiros lugares dos jogos olímpicos e dos campeonatos do mundo e da Europa. Estes prémios são atribuídos pelo Estado (através do INDESP - Instituto Nacional do Desporto) aos atletas de alta competição que obtenham medalhas nas referidas competições.

A menção a estes diplomas no Artº 13º do Código do IRS conduz-nos, necessariamente, a uma primeira conclusão: são estes prémios - atribuídos directamente pelo Estado - e não quaisquer outros que podem, eventualmente, ficar isentos de IRS.

Assim, não é enquadrável na referida disposição o prémio financeiro atribuído unilateral e arbitrariamente pela Federação Portuguesa de Futebol a jogadores profissionais, porque considerou que tiveram uma boa prestação no campeonato do Mundo, da mesma forma que não são enquadráveis os prémios atribuídos pelos clubes aos jogadores que ganhem a Liga dos Campeões Europeus.

São apenas os prémios pagos pelo Estado, de acordo com a tabela fixada na Portaria mencionada na disposição pertinente do Código do IRS, que podem ser isentos do imposto.

Mais, a Portaria nº 211/98 (que substituíu a Portaria nº 953/95) estabelece expressamente que são devidos prémios aos atletas que se classifiquem num dos três primeiros lugares das competições previstas, pelo que os jogadores da selecção nunca teriam direito a esses prémios, uma vez que a nossa selecção, infelizmente, não conseguiu melhor que um quarto lugar.

Pessoalmente, não vejo nada de absurdo na disposição em apreço do Código do IRS, se servir para incentivar e premiar atletas amadores ou atletas olímpicos, que se esforçam por obter uma medalha por amor à camisola e à bandeira, tantas vezes em prejuízo das suas vidas profissionais e familiares.

E estou particularmente de acordo com o facto de o incentivo não ser automático, mas depender do despacho de dois ministros. Desta forma, poderão distinguir-se objectivamente as situações de altletas verdadeiramente amadores, para quem a isenção poderá fazer diferença e será um verdadeiro incentivo, daquelas situações de atletas profissionais ou semi-profissionais que, embora possam ter muito mérito, já têm rendimentos elevados por via da modalidade que praticam e que não necessitam de enriquecer ainda mais à custa de um tratamento fiscal privilegiado.

O que me parece de todo inaceitável é que alguns energúmenos, como parece ser o caso do Sr. Madaíl, tentem obter para jogadores profissionais de futebol, que têm rendimentos milionários, benefícios fiscais que claramente não lhes são destinados e que não lhes fazem qualquer diferença.

Não sei se será apenas ignorância ou se será aquela necessidade que os pretensos dirigentes do futebol têm de criar rupturas para se evidenciarem, de "dividir para reinar".

Percebo que isso afronte o cidadão comum, que se mata a trabalhar e que faz enormes sacrifícios para pagar pontualmente os seus impostos.

Acho, no entanto, que não devemos colocar o defeito na Lei - que é meritória se for bem aplicada - mas nas pessoas que não a sabem compreender e que revelam este lastimável oportunismo.

2006-07-11

Este Madail saiu-me cá um chico esperto...

Artigo 13º
Delimitação negativa de incidência

5 - O IRS não incide sobre os prémios atribuídos aos praticantes de alta competição, bem como aos respectivos treinadores, por classificações relevantes obtidas em provas desportivas de elevado prestígio e nível competitivo, como tal reconhecidas pelo Ministro das Finanças e pelo membro do Governo que tutela o desporto, nomeadamente jogos olímpicos, campeonatos do mundo ou campeonatos da Europa, nos termos do Decreto-Lei nº 125/95, de 31 de Maio, e da Portaria nº 953/95, de 4 de Agosto.



O Código do IRS diz isto, e isto é uma barbaridade. No caso concreto dos jogadores da selecção portuguesa, como é possível que pensem sequer na hipótese de serem beneficiários de tão vomitante cláusula? O presidente da Federação, Gilberto Madail, é um tonto, e não devia prestar-se a figuras destas. O IRS NÃO deve incidir sobre os rendimentos miseráveis dos portugueses, e DEVE INCIDIR em alta percentagem sobre os milionários vencimentos e prémios dos jogadores de futebol. Se assim não for, este país estará definitivamente de pernas para o ar. Mas eu tenho a certeza absoluta de que esta boutade é mais uma desta figura de barro que se chama Madail, e que os jogadores não a subscrevem. Porque eles sabem que têm de ser solidários com todos os portugueses, na vitória e na desventura.
POEMA MEU II

É verdade: ontem vi-te no jardim,
O sol sorria em cheio numa rosa.
Pisquei-te quando passaste por mim,
E tu, na minha fé, como quem goza…

Um zângão lá ao lado, num jasmim,
Zumbiu-me uma mensagem, uma prosa,
E eu vai um vai dois vai três, por fim,
Ergui-me atrás de ti, que pressurosa…

Cheguei ao pé de ti com uma flor,
Não sei se cravo, ou se margarida,
Para adular-te todo o meu amor.

Paraste de repente enfurecida.
Mas eis que em vendo a sorridente flor,
Soçobraste dengosa, enternecida.

Copyright José Silva

2006-07-09

EU GUGLO OU EU GOOGLO?
Consta que os próximos dicionários de inglês já registarão o verbo to google. Na verdade, o motor de busca google é hoje tão importante que parece justificar-se a criação deste neologismo. Como iremos escrevê-lo em português? Guglar? E eu que guglo todos os dias algumas informações relevantes... Ou googlar? Guglar parece-me bem adequado à índole da nossa língua. Googlar nem por isso. Mas esta forma é mais identificável, porque mais próxima da origem. A ver vamos o que aparece por aí...
OS DEUSES TAMBÉM ERRAM
De como Deus destrói o mundo em 5 miseráveis segundos. Ou de como os deuses também erram...
O PRAZER DO TEXTO
Acabo de ler o que já sei há muito tempo: os portugueses detestam a leitura, não se concentram, têm teias de aranha a embrulhar os neurónios. Não é o meu caso, sempre devorei os livros, mas o meu filho mais novo anda a preocupar-me um pouco, acho que vai na onda, e eu já lhe berrei, ou lês ou és castigado. Que coisa, falei em castigo... E eu que tenho ali Le plaisir du texte, do Roland Barthes … Que faço? Deixo andar, aguardo o despertar do gosto, ou será que já é tarde? Difícil decidir. Mas vou impor-lhe a leitura. Talvez não seja boa ideia, mas não posso lavar as mãos como Pilatos.

2006-07-07



O BURRO DO MALAQUIAS
Que a língua portuguesa é muito traiçoeira, toda a gente sabe. Que às vezes se ri de nós à socapa, isso é coisa que nem todos notam, mesmo quando estão muito atentos. Problemas de ambiguidade, por exemplo, são, por vezes, muito difíceis de identificar. Tentem analisar o seguinte complexo oracional:
a) A filha da loira que conheci em Lisboa mandou-me um vinho do Porto.
Parece fácil, mas há ali qualquer coisinha… A verdade é que temos duas orações, que são as seguintes:
b) A filha da loira mandou-me um vinho do Porto.
c) Que conheci em Lisboa = Conheci [a filha da loira] em Lisboa.
A oração a) subordina a oração b), que é relativa e de tipo restritivo. Em b), parece não haver dúvida de que foi a filha quem mandou o vinho do Porto. Mas, o que é que ela mandou? Mandou da cidade do Porto um vinho qualquer, ou mandou aquele Vinho do Porto tão nosso conhecido e que nos alegra o espírito em noites de lua cheia? Só a loiraça saberá dizê-lo. E já agora, atentem em a). Quem é que conheci em Lisboa, foi a filha, ou foi a loira? O que nos vale é que dois em um, às vezes, até pode ser bom, desde que as moçoilas tenham raça e não desdenhem da graça.
A propósito destas e de outras, anotei ontem uma do meu sagacíssimo vizinho Teles. A propósito de onomatopeias e de sons animalescos, dizia ele, entre sorrisos e cervejas, que o burro do Malaquias nunca mais lhe relinchava a grana. Lá tive de accionar o meu computador mental: grana, dinheiro, relincha, dá, burro, animal, o burro não dá o dinheiro, não pode ser. Afinal, não se tratava do burro do Malaquias, que por acaso não tem animal em casa. O Malaquias é burro? Será. Mas se não é um burro inteligente, pelo menos parece-o.

2006-07-06

CONSOLIDAR O QUARTO LUGAR...
Carvalhal, novo treinador do Sporting de Braga, definiu finalmente os objectivos da sua acção para a próxima época desportiva: consolidar o Braga como a quarta equipa portuguesa. Quarta? Ora bolas! E eu a pensar que, finalmente, íamos jogar para ganhar o campeonato. Oh Carvalhal, arreganha lá os dentes e atira-te prà frente! Olha que o Jesualdo esteve quase lá…
PERDEMOS COM A FRANÇA
E voltamos a perder. Como sempre, a culpa foi do árbitro. Mas não foi. Se vi bem o jogo, o árbitro apitou quase sempre de forma correcta. A grande penalidade existe. Como existiu a do Abel Xavier. E, se calhar, voltaremos a perder “ por causa do árbitro” contra a Alemanha. É evidente que, se o Figo tivesse baixado um pouquinho mais a cabeça, a bola teria entrado e, aí, ninguém falava do pobre do homem. O resultado é injusto? Não há resultados injustos, nem vitórias morais, isso era dantes. A França fez o jogo que devia fazer e ganhou. Ponto final. Que culpa têm eles de o Pauleta não existir? A verdade é que o Pauleta não se viu, jogámos sem ponta-de-lança em vários jogos, como haveríamos de ganhar? Se tivéssemos Henry, ah, outro galo cantaria. Assim cantou o francês.

2006-07-03


PROVINCIANO
Sou de Braga, sou da província do Minho, sou provinciano. O meu amigo Teles é de Lisboa, da província da Estremadura, não é provinciano. Sorrio. Sorrimos todos. Sorrimos da substancial diferença entre o físico e o espiritual. Leio Pessoa e não me sinto provinciano, não no sentido dele, porque não vislumbro nos outros mais do que em mim, porque não olho para a França com olhos deslumbrados, porque a conheço e outro mundo, e porque continuo a sentir-me profundamente português, a amar a minha pátria e a cidade onde nasci. Quanto mais conheço o mundo e as outras gentes, mais me convenço das minhas virtudes, das virtudes espantosas do ser português. Ser provinciano, hoje, em tempos internéticos, é mais do que elevação mística, é ser intrínseco à própria raiz da terra onde nascemos. Sentado nesta secretária recebo o mundo nas mãos, absorvo-o, transformo-o em mim, em nós, e rio-me dos pavões ( não das aves de plumagem singela) de todas as províncias estremenhas deste mundo.

2006-07-02

EU LITRO, TU QUILAS, ELE GRAMA...
Na aldeia onde nasci, vivia um velhote muito dado a copos, a garrafas e, principalmente, a garrafões. Como diz o povo, ele não bebia verde tinto, comia verde carrascão. Quando já cambaleava, cantarolava meio gago: eu litro, tu quilas, ele grama… Percebia-se. Eu litro, do seu verbo litrar, encharcar-se de litros. Sabia de gramática, o velhote, mas não de léxico. Porque se a rotina de formação de verbos do primeiro grupo até permitiria um verbo deste tipo, a verdade é que não se conhece registo desta forma, a não ser em brincadeiras orais. Do mesmo modo, tu quilas[-te], corrupção de tu quilhas-te, do verbo quilhar, sinónimo de tu lixas-te, do verbo lixar, mas tudo com o significado de prejudicar, tramar, aborrecer. O registo linguístico é vulgar, como se vê, quase calão.
Quanto ao gramar, a coisa parece-me ligeiramente diferente, pois a forma verbal existe e é usada avulsamente pelo menos na zona norte do nosso país. Eu gramo muitas coisas, a ministra não nos grama, mas como comemos e calamos, nada feito.
Grama é elemento de composição de palavras, ora em preposição ( de prepor, pôr antes, ex: gramática), ora em posposição (pospor, pôr depois, ex: telegrama).
A propósito de, em geral, ninguém gramar a gramática, ou o estudo da língua portuguesa, lembro a pequenina discussão em torno do género do levezinho ou da verdejante grama que muitos aproveitam em dias de canícula, junto ao rio ou no jardim. A coisa é simples: o grama, o quilograma, o miligrama, são do género masculino, evidentemente. A grama, essa gramínea que nos grama nos dias quentes, só pode ser feminina. Brinco, claro, mas que ela aguenta, lá isso aguenta!