2006-07-02

EU LITRO, TU QUILAS, ELE GRAMA...
Na aldeia onde nasci, vivia um velhote muito dado a copos, a garrafas e, principalmente, a garrafões. Como diz o povo, ele não bebia verde tinto, comia verde carrascão. Quando já cambaleava, cantarolava meio gago: eu litro, tu quilas, ele grama… Percebia-se. Eu litro, do seu verbo litrar, encharcar-se de litros. Sabia de gramática, o velhote, mas não de léxico. Porque se a rotina de formação de verbos do primeiro grupo até permitiria um verbo deste tipo, a verdade é que não se conhece registo desta forma, a não ser em brincadeiras orais. Do mesmo modo, tu quilas[-te], corrupção de tu quilhas-te, do verbo quilhar, sinónimo de tu lixas-te, do verbo lixar, mas tudo com o significado de prejudicar, tramar, aborrecer. O registo linguístico é vulgar, como se vê, quase calão.
Quanto ao gramar, a coisa parece-me ligeiramente diferente, pois a forma verbal existe e é usada avulsamente pelo menos na zona norte do nosso país. Eu gramo muitas coisas, a ministra não nos grama, mas como comemos e calamos, nada feito.
Grama é elemento de composição de palavras, ora em preposição ( de prepor, pôr antes, ex: gramática), ora em posposição (pospor, pôr depois, ex: telegrama).
A propósito de, em geral, ninguém gramar a gramática, ou o estudo da língua portuguesa, lembro a pequenina discussão em torno do género do levezinho ou da verdejante grama que muitos aproveitam em dias de canícula, junto ao rio ou no jardim. A coisa é simples: o grama, o quilograma, o miligrama, são do género masculino, evidentemente. A grama, essa gramínea que nos grama nos dias quentes, só pode ser feminina. Brinco, claro, mas que ela aguenta, lá isso aguenta!