2006-07-07



O BURRO DO MALAQUIAS
Que a língua portuguesa é muito traiçoeira, toda a gente sabe. Que às vezes se ri de nós à socapa, isso é coisa que nem todos notam, mesmo quando estão muito atentos. Problemas de ambiguidade, por exemplo, são, por vezes, muito difíceis de identificar. Tentem analisar o seguinte complexo oracional:
a) A filha da loira que conheci em Lisboa mandou-me um vinho do Porto.
Parece fácil, mas há ali qualquer coisinha… A verdade é que temos duas orações, que são as seguintes:
b) A filha da loira mandou-me um vinho do Porto.
c) Que conheci em Lisboa = Conheci [a filha da loira] em Lisboa.
A oração a) subordina a oração b), que é relativa e de tipo restritivo. Em b), parece não haver dúvida de que foi a filha quem mandou o vinho do Porto. Mas, o que é que ela mandou? Mandou da cidade do Porto um vinho qualquer, ou mandou aquele Vinho do Porto tão nosso conhecido e que nos alegra o espírito em noites de lua cheia? Só a loiraça saberá dizê-lo. E já agora, atentem em a). Quem é que conheci em Lisboa, foi a filha, ou foi a loira? O que nos vale é que dois em um, às vezes, até pode ser bom, desde que as moçoilas tenham raça e não desdenhem da graça.
A propósito destas e de outras, anotei ontem uma do meu sagacíssimo vizinho Teles. A propósito de onomatopeias e de sons animalescos, dizia ele, entre sorrisos e cervejas, que o burro do Malaquias nunca mais lhe relinchava a grana. Lá tive de accionar o meu computador mental: grana, dinheiro, relincha, dá, burro, animal, o burro não dá o dinheiro, não pode ser. Afinal, não se tratava do burro do Malaquias, que por acaso não tem animal em casa. O Malaquias é burro? Será. Mas se não é um burro inteligente, pelo menos parece-o.